"Retornem o encosto"
Percebi que eu tinha um texto sobre um problema de vôo "campeão" de alguns anos atrás, no auge daquele período de nosso apagão aéreo. Tinha publicado em meu blog velho. Resolvi copiá-lo para cá, apesar de se tratar mais de uma crônica do que uma postagem para blog:
“Retornem o encosto da poltrona para a posição vertical”. Foi o que ouvimos quando aterrissaríamos em Ilhéus, a escala do vôo de Salvador para Congonhas. Senti a aeronave descendo. Mas eu estava sonolenta. Apesar de não estar prestando atenção, percebi que estava demorando muito para aterrissarmos. Então, ouvimos o comandante dizer que estávamos retornando a Salvador pois haviam descoberto um problema no sistema hidráulico que não permitia um pouso seguro no precário aeroporto de Ilhéus. “Nada preocupante. Quando aterrissarmos, deveremos ser rebocados até perto do aeroporto”. Passageiros se puseram inquietos. Ouvi um zum zum zum.
Tudo correu conforme o descrito. Após uma interminável hora após termos tocado o solo, estávamos de volta no salão de embarque do aeroporto, sem sabermos o que aconteceria. Já me imaginei deitada no chão com a cabeça sobre a mala, como vira nas reportagens sobre o apagão aéreo. Muitos passageiros rodeavam qualquer um que tivesse crachá da TAM. Quanto a mim, fiquei sentada, junto com uma moça que também estava sozinha, a Marcela. Uma hora depois, mandaram-nos fazer novo check in, para um vôo das 23h50.
Mais espera, desta vez na fila. A essa altura, muitos de nós já éramos praticamente amigos íntimos. Muitos contaram que tinham tido medo e apreensão, durante a aterrissagem. Não senti nada disso. Não sei se por desconhecimento total das possibilidades existentes de perigo, ou por real despreocupação, na linha: o que tiver que acontecer, acontecerá.
Eu dividia carrinho com a Marcela. As duas senhoras atrás de nós tinham passado ótimos dias na Costa do Sauípe. Quanto a mim, tinha dado aula naquele dia e no dia anterior.
Uma daquelas duas senhoras era impaciente. Ficava de plantão no balcão do check in para ver o que acontecia, tamanha a demora. Alguns passageiros estavam escolhendo outros vôos para o dia seguinte, recebendo voucher para hotel. Ela voltava passando o relatório. Decidi que tentaria voar naquela noite mesmo.
Todas conseguimos nossos novos cartões de embarques e vouchers para comer algo. Comemos rapidamente, as quatro juntas, íntimas. Embarcamos, desejamos boa viagem. Enfim, sentadas novamente, apesar de separadas, cada uma em seus lugares originais do vôo anterior. Ao meu lado, onde no vôo anterior não havia passageiro, sentou-se um rapaz. Ele havia perdido o vôo original por causa de um congestionamento terrível e incomum. Eu também tinha enfrentado o mesmo trânsito. Nunca tinha chegado para um check in tão em cima da hora. Fui uma das últimas a embarcar. A partida tinha sido pontual, às 18h50.
Antes eu tivesse perdido o vôo, pensei... O rapaz chegara poucos instantes após terem fechado as portas da aeronave. Cobraram-lhe R$50,00 para embarcar naquele nosso novo vôo. Mas negociou e pagou R$30,00. Pelo menos eu não tinha tido aquela despesa, repensei eu, desta vez.
“Retornem o encosto da poltrona para a posição vertical”. Foi o que ouvi novamente. Mas, daí a uns momentos, o comandante avisou que chovia forte em Ilhéus e que, por isso, sobrevoaríamos para esperar que a chuva diminuísse. Após um tempo que não consigo saber quanto, pois estava novamente sonolenta, a má notícia: voltaríamos a Salvador! Os passageiros se entreolharam, incrédulos. “Salvador tem cola!”, disse um.
Novo pouso em Salvador. Mandaram-nos permanecer na aeronave. Teríamos de esperar a chuva parar em Ilhéus.
Então, partimos nós, em novo vôo.
“Retornem o encosto da poltrona para a posição vertical”. Desta vez, antes de passar muito tempo, o nosso já íntimo comandante, avisa que vai tentar começar os procedimentos para aterrissagem com instrumentos, mas que ainda poderia haver cancelamento, pois a visibilidade ainda estava ruim. Agora, prestei atenção no comportamento da aeronave. Senti a descida. Ele descia um pouco, depois mantinha a altitude. Descia mais um pouco. Até que começou a descer mais rapidamente quando, enfim, a aeronave deitaria na pista. Mas ela arremeteu... Ela não queria saber da pista!.. Não ouvi nada de ninguém. Silêncio total, nem o comandante falou. Ninguém tinha forças. Apenas quando quase chegávamos de volta à terra do Vinícius, ele disse que sentia muito e que agradecia a compreensão de todos e”Até a próxima”. Percebi que não nos falaria mais. Não voaríamos mais, pelo menos com ele.
Lá fomos todos, de volta ao salão de embarque que agora eu já conhecia bem. Fomos avisados de que seríamos divididos em alguns vôos. Uma opção seria numa aeronave que já estava lá. Ela iria para Guarulhos, com escala em Vitória. Sairia logo, às 4h35, mas só uns vinte passageiros caberiam nele.. “Eu não vou!”, foi o que disse uma daquelas senhoras amigas pois não queriam mais saber de escalas. O outro vôo disponível seria só às 6h30, também para Guarulhos, mas sem escala. Chegaria meia hora depois do anterior.
Sem consultar nenhuma delas, decidi que tentaria o primeiro, só para poder descansar sentada. Mas sabia que idosos e crianças teriam prioridade, minha chance não era das melhores. A Marcela estava em dúvida. Quando me perguntou o que eu faria, contei-lhe minha decisão, não desejando influenciá-la. As duas senhoras souberam de minha decisão e acabaram decidindo o mesmo, assim como a Marcela. Muitos se aglomeravam em torno do comissário, apesar de sem tumultuar. Aquelas duas forçaram mais a passagem para tentar embarcar. Uma moça, mais nervosa, chegou a gritar revoltada com a demora na seleção: “Não sabem contar??” Os demais não compraram sua ira. O cansaço deveria ser maior.
Começaram a escolher as pessoas. Nossas duas senhoras foram tentando entrar. Fui ficando meio para trás, já sem tanta certeza se lutaria para embarcar naquele vôo, constrangida em ver outros passageiros que também queriam embarcar. As chances se escassavam. As duas conseguiram ser escolhidas. O comissário perguntou se havia mais alguém com elas, como tinha feito com outros. Elas apontaram para a Marcela e para mim, que estávamos um pouco para trás, puxando-nos pela mão. Acabamos sendo admitidas no vôo!.. Com atraso devido a essa operação, partimos, enfim, de Salvador.
Lá fora, pela janela no lado oposto ao meu, avistei um céu estupidamente azul, em contraste com uma faixa de um alaranjado forte, do sol que estava para aparecer. Era a natureza nos pedindo para sorrir.
“Retornem o encosto da poltrona para a posição vertical”. A voz era outra. Será que essa seria mais eficiente? Desta vez, nossa aeronave aterrissou, obedientemente, em Vitória. E, às 7h50, aterrissamos em Guarulhos.
Será que nossas bagagens chegariam? Àquela altura, a maioria esperava qualquer coisa. Mas elas apareceram na esteira. Que alívio! Abraçamos-nos todos, vários amigos praticamente íntimos. Incrivelmente, conseguimos pegar o prometido voucher para o táxi.
Lá pelas 9h eu chegava ao meu lar, doce lar!... E aqueles outros passageiros que não embarcaram conosco? Será que estariam chegando também? Desejei que sim.
Passou ou conhece alguém que tenha passado por algo similar??? Acho que não, hein!! Se sim, comente!!..